Conectando mundos e saberes em favor da superdotação e altas habilidades
Saiba aqui tudo o que aconteceu no Congresso Internacional Conexões 2020, resultado da parceria ConBraSD/Alpha Lumen, e como o evento impacta a educação contemporânea e a inclusão de crianças e adolescentes superdotados e com altas habilidades.
O IX Encontro Nacional do ConBraSD (Conselho Brasileiro para Superdotação), em parceria com o IAL — Instituto Alpha Lumen (uma ONG de impacto social, com sede em São José dos Campos — SP), aconteceu entre os dias 11 a 14 de novembro de 2020 e recebeu uma nova e dificílima missão nesta última edição: produzir debates preciosos e evolutivos para o universo educacional e de superdotados de forma totalmente remota, em outras palavras, a missão de conectar pessoas e ideias foi ainda mais enfática. Por esse motivo, o evento recebeu o seguinte tema: Conexões — A educação gerando redes de transformação. Referente ao tema proposto, a professora Angela Virgolim, presidente da gestão do ConBraSD anterior, que encerrou seu mandato em dezembro, se pronunciou:
“Devemos buscar os talentos dentro das escolas! (…) Devemos estabelecer uma conexão com os estudantes! ‘Conexões’, essa é nossa fórmula de transformação”.
A coordenadora, fundadora e presidente do Instituto Alpha Lumen, Nuricel Villalonga Aguilera, também falou a respeito. Ela afirmou que a palavra “conexões” sintetiza, com êxito, todos os momentos deste evento.
“Nós criamos redes aqui, conectamos pessoas, não é à toa este tema, e isso é espetacular!”
Quem melhor do que os especialistas?
Na edição deste ano, renomados palestrantes, conhecidos no Brasil e mundo afora, marcaram presença. Nomes como Edgar Morin, Del Siegle, Joseph Renzulli, Jean Gubbbins, Danilo Miranda, Mário Sérgio Cortella, entre outros, nos presentearam com seus saberes valiosos e singulares. Ao todo, foram 38 palestrantes, em 13 painéis (alguns simultâneos) e 5 palestras Magnas. As salas virtuais trouxeram em pauta assuntos relevantes para a superdotação e distintos entre si, desde temas com foco na responsabilidade social de grandes empresas a debates sobre os desafios da educação brasileira. A abordagem adotada pelo evento foi bastante versátil, no entanto, um tópico se manteve presente em todas as conversas: a invisibilidade de alunos e profissionais superdotados.
Superficialidade educacional e a invisibilidade dos superdotados: como mudar tal contexto?
Um dos maiores “monstros” que os superdotados enfrentam há séculos é a invisibilidade. Dito isso, muitos dos debates levantados no Conexões se concentraram no assunto e em trazer soluções para este drástico dilema estruturado na educação básica brasileira.
De acordo com a professora e psicóloga Denise de Souza Fleith, do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, o percentual de crianças e adolescentes superdotados no Brasil é maior que o divulgado no Censo Escolar, produzido pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). No ano retrasado o Censo apresentou o número de 2.769 estudantes como portadores de altas habilidades/superdotação, o que equivale a 0,04% dos mais de 48 milhões de alunos matriculados no ensino básico no Brasil.
Sobre os métodos de identificação para crianças e adolescentes superdotados ou com altas habilidades, Denise diz:
“Apesar de muitas dessas crianças terem sido identificadas, há ainda um quadro maior de meninos e meninas que não foram devidamente avaliados e que por isso não aparecem nos dados”.
Entre estes métodos utilizados para identificação, se encontram as avaliações neuropsicológicas. No painel “O desafio da Identificação de Talentos”, a palestrante Domitila Miranda, CEO do Instituto CBM, além de neuropsicóloga e mestre em Psicologia da Educação, nos relata como o processo neuropsicológico ocorre na identificação destes indivíduos e o porque ele acaba por falhar em certos casos:
“Como já dizia Malloy-Diniz, a neuropsicologia consiste no método de investigar a relação entre as funções cognitivas e o comportamento. Nós acreditamos que a medida do QI ou do desempenho cognitivo não são suficientes para identificar a superdotação, uma vez que também é necessária a investigação das habilidades não cognitivas. Por este motivo, o método é bem minucioso, mas não podemos dizer que não há taxas de erro, porque há. Acho que o ‘calcanhar de Aquiles’ da neuropsicologia se consiste no fato de que ela só avalia a superdotação intelectual, não avalia a superdotação criativa.”
Durante sua apresentação, Miranda também disse que costuma receber muitos adultos em sua clínica, que não foram corretamente avaliados e identificados na infância ou adolescência, o que acaba por prejudicar o futuro profissional do indivíduo.
“Os adultos que chegam aqui apresentam demandas afetivas e são isolados socialmente, fator resultante da invisibilidade durante a infância”
A situação é preocupante, no entanto, segundo o fundador e chairman da Stone, André Street, que se fez presente no painel de abertura do evento…
“A única maneira de mudarmos essa sociedade que tanto criticamos, é escolhendo se posicionar ao lado da solução, não do problema”.
É exatamente este o propósito do congresso e por isso, no mesmo painel, Angela Virgolim exemplificou alguns meios mais eficazes, que viabilizam a identificação de superdotados e crianças com altas habilidades e, assim, os tiram da invisibilidade.
Para Virgolim, é necessário pensarmos em interrogativas relevantes para esta identificação antes da aplicação do método, sendo elas as seguintes: “Para que identificar? Quem identificar? Como identificar?” As respostas a essas questões traçam um caminho mais efetivo e pontual, pois não há como realizar uma ação sem saber o porquê ela necessita ser realizada e qual a importância dela para a sociedade ao nosso envolto. Referente a isso, Angela se baseia na fala de Joseph Renzulli (importante teórico e pesquisador na área e que também se fez presente no evento).
“Devemos identificar para, assim como Renzulli diz, ‘aumentar o reservatório de potenciais’, proporcionando assim o avanço intelectual da sociedade. Dessa forma, é possível abrir caminhos e agilizar a entrada deste sujeito na força de trabalho; essa ação de identificação evita a fuga de cérebros, ou seja, a invisibilidade desses indivíduos que são tão talentosos, mas que, por falta de identificação, se perdem entre a multidão. Além dessa importância social da identificação, há um valor para o próprio indivíduo, o valor da realização pessoal, do auto-conhecimento”.
Ela ainda acrescenta, ao pincelar sobre as políticas públicas para superdotação e altas habilidades:
“Devemos desfazer mitos a respeito da superdotação, colaborar com políticas públicas, estimular estudos e pesquisas, incentivar a capacitação de profissionais que tem como responsabilidade garantir a educação e constante evolução destes indivíduos, além de capacitar os próprios pais para que saibam lidar, da melhor forma possível, com seus filhos e também para que reconheçam quais direitos lhe são judicialmente resguardados”
A falta de políticas públicas específicas para estes indivíduos é uma barreira que permanece erguida. No painel “Políticas Públicas e Legislação nas Altas Habilidades ou Superdotação”, as professoras Cristina Delou e Vera Pereira nos inteiraram sobre o assunto com muita clareza e detalhismo.
Caso você esteja perdido no tema, Políticas Públicas são ações e programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos que são previstos na Constituição Federal e em outras leis. No painel, foram apresentadas algumas dessas legislações que, por vezes, não passam do papel. Sobre isso, Delou se pronúncia:
“As legislações orientam, elas não ingressam, infelizmente. Quem tem essa responsabilidade, somos nós, educadores”.
Vera concluiu:
“Eu comecei me perceber advogando pelos direitos dos superdotados ao conhecer as reclamações dos próprios alunos superdotados, então eu acho que, se queremos mudar essa situação, devemos responder á nós mesmos algumas perguntas: ‘Como podemos contribuir na visibilidade destes indivíduos, com talentos singulares?!’ ‘Quais são as abrangências de legislação que podem auxiliar na educação desses estudantes?’ e então agirmos. Isso sim fará a diferença! Se as autoridades não agem, temos que assumir essa responsabilidade”.
Os Magnas
A palestra de Renzulli foi a primeira palestra Magna do evento, aconteceu logo no primeiro dia do congresso, iniciando com “chave de ouro”.
O Dr. Joseph Salvatore Renzulli é um dos maiores líderes da contemporaneidade na educação de superdotados. Foi pioneiro na área, aplicando estratégias de pedagogia de ensino da educação de superdotados a todos os alunos no espaço escolar em um período em que ninguém se importava com estes estudantes, na década de 70. Criou várias teorias importantíssimas no setor, tais como a Teoria dos Três Anéis, o Modelo da Triádico de Enriquecimento e a Compactação e Diferenciação do Currículo para Alunos com Superdotação e Talento, extensamente divulgados como Modelo de Enriquecimento Escolar — SEM. Vale salientar que a primeira teoria aqui citada (A Teoria dos Três Anéis) foi levantada ao decorrer de muitas palestras do evento.
Joseph trouxe como temática para a sua palestra o seguinte tópico: “A liderança para um mundo em constante mudança”, um assunto que veio a calhar com o exato momento em que estamos vivendo. Em sua apresentação, disse que é necessário um ensino mais aprofundado para criar uma liderança forte para o futuro.
“A avaliação deve ser dada por perfil de aluno, para que este receba o aprendizado da maneira mais facilitadora possível e não para que ele comprove que aprendeu o que foi passado de maneira generalizada e superficial”
Renzulli também acredita que a pandemia do Covid-19 moldará um novo ensino básico e universitário, do qual não estávamos acostumados até agora.
“Com o Covid, toda a educação mudará, incluindo a educação universitária. Muito do ensino foi baseado em sentar e escutar, mas de agora em diante acho que será mais baseado nas habilidades, na prática. O saber nem sempre está ligado à um diploma.”
Outra palestra Magna muito significante para o mundo dos superdotados foi a que aconteceu na terceira noite do evento, com a renomadíssima Jean Gubbins, professora do Departamento de Psicologia Educacional da Universidade de Connecticut e Diretora Associada do novo centro financiado por doações, National Center for Research on Gifted Education (NCRGE), da mesma instituição, com foco em práticas exemplares de identificação e programação para alunos superdotados e talentosos de grupos sub-representados. Ao decorrer de sua carreira, Jean Gubbins produziu diversas e importantes obras, algumas dessas ao lado de Renzulli, como o livro “Systems e Models for Developing Programs for The Gifted & Talented”.
Quando o assunto é implementar programas inclusivos para superdotados em ambiente escolar, Gubbins é uma especialista. Em sua palestra, abordou meios de como criar um programa que desafia alunos superdotados e com altas habilidades. Para ela, o desafio é o fator fundamental na vida estudantil e profissional destes estudantes, como ela mesma diz:
“Alguns estudantes me falavam que a escola era muito fácil para eles e que tinham receio de que a vida estudantil continuasse assim para sempre. Os superdotados possuem um espírito aventureiro, eles odeiam atividades rotineiras que não os desafiem. Quando recebem algo novo, com um certo nível de complexidade, eles falam ‘Eu posso fazer isso! Eu consigo!’”
Em concordância com a fala de Gubbins, a palestra Magna do professor Del Siegle, intitulada “Insucesso escolar e Motivação”, que aconteceu na quarta noite do evento, nos afirma que a motivação do aluno superdotado ou com altas habilidades é a base para a evolução e sucesso escolar deste aluno(a), o que, como consequência, lhe garante também um sucesso profissional.
Siegle é professor na cadeira de Desenvolvimento de Talento na Neag School of Education da Universidade de Connecticut. Antes de obter seu PhD, ele trabalhou como coordenador do programa para superdotados e talentosos em Montana, foi presidente da National Association of the Gifted Children e atuou no conselho de diretores da mesma instituição. Segundo Del, muitos alunos superdotados são taxados como “fracassados” na escola, por não serem motivados. Estes, em sua maioria, são alunos que aprendem o conteúdo passado com agilidade, no entanto, tiram notas baixas, pois falta-lhes o interesse em produzir e em se empenhar nos trabalhos propostos. Para ele, este desinteresse está ligado a falta de auto confiança.
“É necessário acreditar em sua própria capacidade. Sem confiança, não realizamos nada! É um ciclo: confiança, significância e apoio percebido”.
Ele ainda afirma que muitas crianças talentosas acabam por perder tais habilidades, devido a essa desmotivação. Em sua concepção, as altas habilidades necessitam de uma constante prática.
“O superdotado precisa entender que é necessário exercitar os músculos cerebrais. Os superdotados que param de evoluir, crescem e, em determinado tempo, não enxergam mais tal habilidade que anteriormente possuíam, pois não a estimularam.”
Jovens: a fórmula para a inovação brasileira
Neste ano, o Brasil se posicionou em 62° lugar na avaliação do Índice Global de Inovação (IGI), em comparação com o resto do mundo. Uma situação preocupante para todos os brasileiros, levando em conta que o Brasil é o país com a 9° maior economia do planeta.
Visando discutir o tema, o painel “Criatividade e Inovação em uma Perspectiva Multidimensional”, com as palestrantes Solange Wechsler e Tatiana Nakano, trouxe alguns aspectos de como podemos mudar esta situação degradante da inovação brasileira e como podemos incentivar os mais jovens, principalmente os superdotados e com altas habilidades, na criação de novas ideias.
Solange diz que, além de legislações federais em incentivo à inovação, é necessário implantar, nas escolas e universidades, atividades de enriquecimento tipo III, as quais não focam apenas no currículo, mas também nas ações sociais dos estudantes, mediante cada faixa etária. Ela também afirma que o pensamento criativo e crítico é um fator primordial para o avanço da inovação no século 21 e que é necessário uma mudança de paradigma na transição do individual para o colaborativo.
“Precisamos desenvolver o espírito colaborativo destes alunos. Trabalho grupal e, logicamente, comunicação de ideias, resultam mais do que trabalhos individuais”
Sobre o tema, Tatiana comenta:
“Os superdotados podem sim serem renomados inovadores do futuro, mas para isso é extremamente necessário oferecer oportunidades de evolução no presente”.
Um novo Brasil, uma nova educação, um novo mundo e olhar, é isso que todos os palestrantes propõem que construamos. Uma missão difícil, nas próprias palavras de Solange Wechsler, porém, mais do que necessária:
“Nossa missão não é fácil, pelo contrário, é bastante árdua, é praticamente mudar o país. Mas devemos causar essas mudanças de um passo de cada vez, com pequenas iniciativas que, lá na frente, resultarão em mudanças significativas”.
E os premiados são…
Além das palestras, painéis, debates e de todo o conhecimento compartilhado, a Comissão Científica do IX Encontro Nacional do ConBraSD usou a eventualidade para realizar a “Premiação Maria Helena Novaes”. Na ocasião, entre os 25 trabalhos avaliados, seis foram premiados, os quais foram apresentados na forma de comunicação oral, que se destacaram pela qualidade acadêmica.
A premiação recebe este nome em honra a professora titular e emérita da PUC/RJ, Maria Helena Novaes, a qual construiu uma vasta produção, sobretudo na área da psicologia escolar, além de ter sido pioneira nos estudos da criatividade e da superdotação no Brasil, deixando uma extraordinária contribuição para a área. O prêmio em questão teve em 2006 sua 1ª edição, por ocasião do VII Encontro Nacional do ConBraSD.
Nesta última edição da premiação, houveram 4 categorias, sendo os premiados os seguintes listados:
- Pelo trabalho “CADÊ OS ESTUDANTES COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO DAS ESCOLAS ESTADUAIS QUE COMPÕEM O POLO DO CEFAPRO DE ALTA FLORESTA/MT?”, a premiada é Nilcéia Frausino da Silva Pinto.
- Pelo trabalho “FORMAÇÃO CONTINUADA DISRUPTIVA EM COMPORTAMENTO SUPERDOTADO: UMA TRILHA REDESENHADA”, as premiadas são Patrícia Regina de Carvalho Dias da Silva e Fernanda Serpa Cardoso.
- Pelo trabalho “AVALIAÇÃO DA SUPERDOTAÇÃO E SUA JUDICIALIZAÇÃO: RELATO DE CASOS”, os premiados são Lucas Correia Signorini e Carina Alexandra Rondini.
- Pelo trabalho “TRABALHANDO QUÍMICA TEÓRICA COMPUTACIONAL COM ALUNOS SUPERDOTADOS ATRAVÉS DE OFICINA INTERATIVA”, os premiados são Isabelle Ferraz Rodrigues e Silva, Sonia Regina Alves Nogueira, Fernanda Serpa Cardoso e Matheus Ruas Miranda Signorelli.
- Pelo trabalho “ENRIQUECIMENTO CURRICULAR NOS ANOS FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE UMA ESCOLA PÚBLICA”, as premiadas são Aletéia Cristina Bergamin, Pamela Linero Viviani e Carina Alexandra Rondini.
- Pelo trabalho “PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO EM UNIVERSITÁRIOS BRASILEIROS COM ALTAS HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO, os premiados são Katiane Janke Krainki, Marlos Andrade de Lima, Tatiana Izabele Jaworski de Sá Riechi e Laura Ceretta Moreira.
Nós do ConBraSD parabenizamos todos os premiados, que realizaram trabalhos com grande mérito e com uma qualidade acadêmica excepcional, vocês são vencedores!
Da mesma forma, aproveitamos a ocasião para agradecer todos aqueles que, com esforço e determinação, produziram trabalhos louváveis e enviaram a nós. Nunca se esqueçam:
Thomas Edison fez 1.200 tentativas até conseguir este feito espetacular, que hoje chamamos de lâmpada elétrica, ou seja, grandes vitórias exigem muita persistência! Nunca desista de seus sonhos e, um dia, se tornarão realizações!
Cobertura por Jéssica Blaine para o ConBraSD